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Foto: SANA/AFP3
Rihab Kamel, uma mulher alauíta do oeste da Síria, ficou escondida por dois dias no banheiro de casa com sua família, enquanto homens armados leais ao governo liderado pelo presidente interino Ahmed al-Shaara buscavam por membros da mesma minoria étnica que faz parte o ditador deposto Bashar al-Assad.
— Apagamos as luzes e nos escondemos — disse a mulher de 35 anos, que teve de deixar sua casa na cidade portuária de Baniyas, na província de Tartous, e foi acolhida por uma família cristã. — Quando conseguimos fugir do nosso bairro de al-Qusur, vimos as ruas cheias de cadáveres. Que crime as crianças cometeram? Será que elas também apoiam o regime [Assad]? A comunidade alauíta é inocente.
Grupos de direitos humanos afirmam que as forças de segurança ligadas ao novo governo da Síria provocaram um dos maiores massacres em território sírio desde 2011, enquanto tentavam reprimir uma insurgência de apoiadores do regime Assad, que lançou ataques violentos a partir de redutos alauítas na quinta-feira. Um levantamento realizado pelo Observatório Sírio de Direitos Humanos, um monitor do conflito com sede em Londres que mantém fontes em todo o país, aponta que mais de 1,5 mil pessoas morreram, incluindo 973 civis, durante os embates.
Inicialmente, fontes de segurança citadas pela imprensa estatal síria afirmaram que os relatos de ataques contra civis eram “abusos isolados”, porém, à medida que os dias se passaram, cada vez mais testemunhas da ação violenta dos militares e milicianos ligados ao governo, e mesmo vídeos que circularam nas redes sociais, mostraram um cenário de amplas violações.
No domingo, o presidente interino da Síria pediu a criação de uma “comissão independente” para investigar os abusos durante a operação militar e prometeu “levar à justiça” aqueles que praticaram violência contra civis — embora tenha dito anteriormente que os acontecimentos dos últimos dias eram “desafios previsíveis”. O Ministério da Defesa afirmou nesta segunda que a operação havia sido encerrada após a “neutralização” das “células remanescentes” do regime Assad.
Não está claro quem irá liderar as investigações e como serão apuradas as denúncias de crime na Síria, um país multicultural, atualmente governado pela maioria sunita, mas também integrado por curdos, cristãos, drusos, xiitas e alauítas — que durante o regime Assad eram fortemente representados no aparato militar e de segurança.
Também em Baniyas, o idoso Samir Haidar, de 67 anos, disse ter escapado por pouco da morte. Ele conseguiu fugir pouco antes da chegada dos homens armados, mas seus dois irmãos e seu sobrinho não tiveram a mesma sorte. Ex-detento, preso por 10 anos por se opor ao regime Assad, ele disse ter ouvido explosões e tiros na manhã de sexta-feira.
— Entraram no prédio e mataram meu único vizinho. Se eu tivesse esperado cinco minutos, teria morrido — disse Haidar, que se refugiou em um bairro sunita da cidade com sua esposa e dois filhos, acrescentando detalhes da entrada das forças do regime também no prédio onde seu irmão morava. — Eles reuniram todos os homens no telhado e atiraram neles. Todos morreram, inclusive meu irmão.
Em vídeos compartilhados pelas redes sociais, aparentemente gravados durante os confrontos no oeste do país, homens fardados aparecem abrindo fogo contra pessoas desarmadas e prometem “purificar o país”. O grupo liderado por al-Shaara antes da deposição de Assad, o Hayet Tahrir al-Sham (HTS) foi fundado a partir de dissidências de grupos jihadistas — ideologia que o líder disse ter abandonado, em falas pouco após a derrubada do regime anterior.
— [Já houve] a batalha pela libertação. Agora é uma batalha pela purificação — diz uma voz masculina, com sotaque egípcio, em um vídeo obtido pela CNN, sem identificação de data ou local específico. — Aos alauitas, estamos vindo para massacrar vocês e seus pais. Todo mundo está saindo com armas, mostraremos a vocês a [força] dos sunitas.
A Federação de Alauítas na Europa denunciou uma “limpeza étnica sistemática”, contra a minoria étnica.
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Jaafar Ali, um alauíta de 32 anos, fugiu para o Líbano com o irmão. Ele disse que só voltaria ao país quando houvesse garantia internacional de que a população estaria segura. O Conselho de Segurança da ONU, a pedido dos EUA e da Rússia, reúne-se nesta segunda para discutir a crise síria.
— Acho que não voltarei para a Síria tão cedo. Queremos ser recebidos em um país seguro, onde não sejamos reprimidos como alauítas, ou queremos proteção internacional — declarou.
Moradores da cidade litorânea de Latakia, principal saída síria para o Mar Mediterrâneo, relataram que grupos armados sequestraram vários alauítas, que mais tarde foram encontrados mortos. A lista de vítimas inclui pessoas proeminentes, como o diretor da agência estatal Casa da Cultura, Yasser Sabbuh, que após o sequestro teve o corpo jogado em frente à sua casa.
Há relatos também de corpos atirados ao mar e enterrados em valas comuns por forças do governo interino, com uso de retroescavadeiras.
— Somos seis pessoas na casa, com meus pais e meus irmãos. Não há eletricidade há quatro dias, não há água, não temos nada para comer e não nos atrevemos a sair — disse um homem da cidade de Jablé, na província de Latakia, ouvido pela AFP em anonimato.
Relatando que mais de 50 pessoas morreram, incluindo membros de sua família e amigos, ele descreveu que os corpos estão sendo descartados e ocultados pelas forças governamentais.
— Eles recolheram os corpos com escavadeiras e os enterraram em valas comuns (…) até jogaram alguns corpos no mar — afirmou. (Com AFP)