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O que é Destino Manifesto, doutrina citada por Trump que faz EUA se enxergarem como ‘nação escolhida’

 

Durante sua posse como 47º presidente dos Estados Unidos, Donald Trump disse:

“Vamos perseguir o nosso Destino Manifesto até às estrelas, lançando astronautas americanos para fincar as estrelas e listras [da bandeira da América] no planeta Marte.”

O termo não é novo e trata de uma ideologia bastante prevalente nos Estados Unidos no século XIX, que defendia a crença de que os cidadãos norte-americanos tinham o direito moral e a missão divina de expandir seus territórios da costa atlântica até o Pacífico.

Em 1845, e o jornalista americano John O’Sullivan escreveu sobre isso como parte de uma coluna intitulada Anexação.

“O Texas agora é nosso (…) Faz parte da designação cara e sagrada do nosso país”.

Na época, fazia apenas alguns dias que o Congresso da República do Texas — um país de vida muito curta, de 1836 a 1845 — havia aprovado a adesão aos Estados Unidos, e O’Sullivan comemorou a incorporação daquele vasto território como parte de um desígnio divino.

“Outras nações lançaram (…) interferências hostis contra nós, com o objetivo declarado de frustrar nossa política e obstruir nosso poder, limitando nossa grandeza e impedindo o cumprimento do nosso destino manifesto de nos espalharmos pelo continente que nos foi concedido pela Providência para o livre desenvolvimento de nossos milhões que se multiplicam anualmente”, completou O’Sullivan.

O Texas, que havia sido de domínio espanhol, e se tornou parte do México após a independência, estava sendo cada vez mais povoado por americanos que cruzavam a fronteira por incentivo do governo dos EUA.

Quando o México adotou uma reforma constitucional, deixando de ser um Estado federal para se tornar um Estado centralista em 1836, os texanos decidiram se tornar independentes pela força primeiro, e fazer parte dos EUA depois.

Esta não era a primeira vez que os EUA cresciam em área desde que as primeiras 13 colônias britânicas na costa leste da América do Norte declararam independência em 1776.

Mas O’Sullivan colocou em palavras o pensamento predominante nos EUA: eles tinham um destino manifesto concedido por Deus para expandir seu território.

E este destino manifesto era explicado por outro conceito fundamental enraizado naquela sociedade: a chamada “excepcionalidade americana”, a ideia de um povo superior aos outros, escolhido por Deus.

Esta convicção permaneceu no imaginário coletivo americano durante décadas — e se refletiu em inúmeras políticas promovidas por Washington.

Essa doutrina está tão arraigada no pensamento americano que a atual candidata democrata à presidência, Kamala Harris, a expressou em seu discurso na Convenção Nacional do partido em agosto.

“Em nome de todos aqueles cuja história só poderia ser escrita na maior nação da Terra, aceito sua indicação para ser presidente dos Estados Unidos da América”, declarou a candidata.

Os republicanos também pensam assim. A primeira frase da sua plataforma de campanha eleitoral para 2024 diz: “A história da nossa nação está repleta de histórias de homens e mulheres corajosos que deram tudo o que tinham para fazer dos Estados Unidos a maior nação da história do mundo”.

E o germe deste pensamento remonta ao seu nascimento como país.

As raízes

“É um conjunto de ideias que começaram a se desenvolver no século 19 de maneira explícita, mas que têm sua origem há muito mais tempo, na época do início da colonização”, conta a historiadora mexicana Alicia Mayer à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

A formação das colônias britânicas na América ocorreu em meio a um grande confronto religioso na Europa.

Quando os primeiros colonos britânicos chegaram à América no início do século 17, menos de 100 anos haviam se passado desde que a Reforma Protestante na Europa dividiu a Igreja Católica.

Na Inglaterra, formou-se a Igreja Anglicana, e surgiu então a facção puritana, que entrava em conflito com a religião da Coroa.

Foi por esse motivo que muitos puritanos viram as colônias britânicas na América como um lugar ideal para se estabelecerem e viverem suas crenças sem restrições.

As ideias calvinistas, que são as raízes religiosas dos puritanos, incluíam a predestinação — Deus já havia decidido quem seria salvo e quem seria condenado antes de nascerem —, e que eles eram o povo escolhido.

“O calvinismo tem a ideia da eleição de alguns indivíduos por Deus, que se estende à ideia da eleição de nações inteiras. Por outro lado, há aqueles que Deus elege para a condenação eterna, os réprobos”, explica Mayer, que tem doutorado em História e é pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México.

“Há também nações inteiras de pessoas que são inferiores e, portanto, abandonadas por Deus”, acrescenta.

Se os puritanos podiam professar livremente sua religião na América, essa era a terra escolhida.

As terras dos povos indígenas

Em 1763, a Grã-Bretanha controlava todo o território americano, da costa atlântica até o Rio Mississippi.

Naquele ano, a coroa britânica estabeleceu um limite para o avanço dos colonos: os Apalaches.

O rei George 3° queria que as terras a oeste desta linha divisória e até o Rio Mississippi fossem deixadas para as comunidades indígenas, mas isso gerou indignação entre os recém-chegados à América, que queriam se expandir — e sentiam que tinham que fazer isso.

Esse foi um dos motivos pelos quais, anos depois, em 1776, 13 colônias declararam sua independência da coroa britânica para formar os EUA.

O tamanho das 13 colônias era semelhante ao tamanho atual da Colômbia, oito vezes menor do que o território dos EUA hoje.

Os líderes da revolução, conhecidos como “Founding Fathers” ou “Pais Fundadores”, viam o país que estavam criando como o novo Reino de Israel, a terra escolhida por Deus para os seus fiéis.

“Nós, representantes dos Estados Unidos da América, reunidos no Congresso Geral, apelamos ao Juiz Supremo do mundo pela retidão das nossas intenções”, diz o documento de fundação.

 

Fonte: BBC Portuguese

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