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Foto: Osman Orsal/Reuters
Morreu nesta quarta-feira (29) aos 100 anos Henry Kissinger, um dos mais influentes nomes da diplomacia na segunda metade do século 20. A morte, em sua casa no estado americano de Connecticut, foi comunicada pela Kissinger Associates Inc, sua empresa de consultoria. A causa não foi divulgada —o enterro nesta quinta (30) será reservado para a família e, depois, uma cerimônia aberta ocorre em Nova York.
Dois fatos banais ajudam a dimensionar como a inteligência e habilidade de Kissinger foram grandes: nascido em outro país e com forte sotaque estrangeiro que nunca superou, ele conseguiu ser o principal representante dos EUA, uma sociedade com forte tendência ao chauvinismo; judeu, tornou-se o mais poderoso integrante do governo de Richard Nixon, um antissemita.
Heinz Alfred Kissinger, seu nome original, foi capaz de vencer muitos obstáculos aparentemente intransponíveis para uma pessoa com sua história, quase sempre pela admiração que seu talento causava aos interlocutores.
Ele nasceu em Furth, Alemanha, em 27 de maio de 1923. Sua família imigrou para os EUA em 1938, quando os rumos do Terceiro Reich de Adolf Hitler já estavam suficientemente claros.
Em 1943, naturalizou-se americano e lutou no Exército da nova nação contra a antiga na Segunda Guerra Mundial, sempre no setor de inteligência, onde sua fluência em alemão era apreciada.
Depois dos combates, deu início à extraordinária carreira acadêmica que lhe abriu as portas para os políticos: bacharelou-se em ciência política pela Universidade Harvard em 1950, onde também completou o mestrado (1952) e o doutorado (1954, com tese sobre ‘paz, legitimidade e equilíbrio”).
Sua proximidade com os principais círculos intelectuais de Nova York nos anos 1950, quando sua principal atividade era como professor em Harvard, o levou a prestar consultoria a diversas entidades de governo na administração Eisenhower e a colaborar com Nelson Rockefeller, principal líder da ala mais liberal do Partido Republicano.
Rockefeller foi pré-candidato à Presidência do país pelos republicanos em 1960, 1964 e 1968. Na primeira e na terceira tentativas, perdeu para Richard Nixon, seu arqui-inimigo, que não hesitou em chamá-lo como assessor logo que chegou à Casa Branca, em janeiro de 1969.
A comunidade política tinha tal fascínio por Kissinger que o candidato derrotado por Nixon em 1968, o democrata ultraliberal Hubert Humphrey, disse que também o teria chamado para trabalhar consigo se tivesse vencido.
De integrante do Conselho Nacional de Segurança, ele logo passou para a chefia desse órgão, de onde de fato liderava a política externa americana, por causa da fragilidade política e pessoal de William Rogers, secretário de Estado no primeiro mandato de Nixon.
Assumiu formalmente a condição de condutor dos EUA em relações internacionais quando Nixon o nomeou secretário de Estado em 1973 (o primeiro a ter nascido fora do país), cargo em que foi mantido pelo sucessor, Gerald Ford, depois de o caso Watergate levar o presidente à renúncia.
Nos oito anos em que ditou o modo como os EUA lidavam com o mundo, Kissinger estabeleceu o império da “realpolitik”, conceito genérico que contrasta com o do idealismo, e realizou operações diplomáticas inimagináveis para um governo conservador, como o de Nixon, num ambiente de plena Guerra Fria entre capitalismo e comunismo.
Entre os grandes feitos de seu “mandato”, a aproximação com a China e seu posterior reconhecimento por Washington sem dúvida é o mais sensacional.
Mas a assinatura de acordos de limitação de armas nucleares (o SALT) com a União Soviética, o processo de paz no Vietnã (que lhe rendeu um Prêmio Nobel dividido com o principal diplomata norte-vietnamita), a presença constante em negociações no Oriente Médio (apelidada de “diplomacia de ponte aérea”) e o apoio ao Paquistão contra a Índia na guerra que resultou na formação de Bangladesh foram outros pontos altos desse período.
A debacle do governo Nixon em consequência dos escândalos políticos fez de Kissinger um personagem cada vez mais importante para o país e para o mundo. Em 1975, pesquisa do Instituto Gallup o apontou como a pessoa mais admirada nos EUA.
Ele passou do status de poderoso assessor para o de celebridade global. Seu casamento com Nancy Maginess, em 1974, recebeu cobertura de imprensa similar à do de um astro de cinema ou um monarca britânico. Frases que lhe foram atribuídas nessa época (como “o poder é o melhor afrodisíaco”) ajudavam a ampliar sua fama.