Physical Address
304 North Cardinal St.
Dorchester Center, MA 02124
Physical Address
304 North Cardinal St.
Dorchester Center, MA 02124
Foto: Reprodução
Ainda era a primeira semana de 2022 quando Luis Müller da Costa, tenente do Corpo de Bombeiros, viu uma mesma inscrição se multiplicar em veículos próximos ao Pico dos Marins: “O pior ano da sua vida”.
Logo descobriu se tratar de um curso motivacional oferecido por Pablo Marçal, o autodenominado ex-coach que hoje prefere ser chamado de CVO (chief visionary officer, diretor visionário, em tradução livre) de seu grupo empresarial.
A visibilidade estava reduzida naquele 5 de janeiro para Marçal e seguidores que encararam uma névoa intensa na região montanhosa. O grupo também enfrentou chuva forte e ventania até ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros.
Eram os “generais do topo”, trupe que, inspirada por Marçal, queria alcançar o cume da montanha paulista como prova de superação. O episódio ainda assombra o agora candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, investigado pelo Ministério Público por um dos capítulos mais ruidosos de sua carreira.
Promotora responsável pelo caso, Renata Galhardo Cheuen diz ser crucial “determinar qual a influência de Marçal” sobre a turma que precisou ser socorrida. As acusações possíveis vão de tentativa de homicídio a omissão de socorro. Uma hipótese é tentativa de homicídio privilegiado —o que reduziria a pena do tipo penal por se tratar de um crime cometido sob “violenta emoção”.
Em relato à Polícia Civil um mês após o ocorrido, Robson Campos, guia turístico que cruzou com Marçal na ocasião, disse tê-lo advertido sobre os perigos de continuar a trilha. Em vão. Alguns participantes, segundo ele, contaram ter pago R$ 3.000 pelo curso para “superar a vida e tornar-se um vencedor”.
Marçal assume hoje que cometeu um erro, embora mantenha a versão que sustenta desde 2022: não liderou ninguém no dia, foi quem quis. À Folha, em junho, ele disse que os outros integrantes do grupo “eram sócios, amigos meus” e que tudo serviu como “um grande aprendizado”. Também reafirmou que pediu ajuda dos bombeiros “para ninguém correr perigo”.
A fala contradiz depoimentos coletados à época pela polícia. O guia Campos disse que foi chamado de covarde por Marçal após afirmar que seria insano persistir na subida, porque as pessoas que o acompanhavam não tinham preparo físico nem psicológico para um cenário tão adverso.
O temporal havia encharcado muitos ali, sem roupa extra nem bota adequada para uma trilha com lamaçal e pedras escorregadias. Alertas sobre o risco de queda e hipotermia, segundo o guia, não bastaram para desencorajar Marçal.
O guia contou às autoridades que deixou seu rádio com o influenciador, “temendo pelo pior”. Afirmou ainda que, num momento posterior, recebeu R$ 1.800 para buscar equipamentos de Marçal que ficaram para trás.
O pedido de socorro chegou via 193, o número dos bombeiros para emergências. Um dos quatro que embarcaram numa caminhonete 4×4 naquela madrugada, para acudir o grupo em apuros, o tenente Costa disse nunca ter visto “na sua atividade no Corpo de Bombeiros tamanha imprudência”.
Pablo Henrique Costa Marçal é um dos 30 nomes que aparecem na lista do resgate, com 28 homens e duas mulheres. O salvamento deu projeção nacional a quem vende até hoje “O Pior Ano da sua Vida” na Marçal Store, sua loja digital. Na quinta (22), o livro saía por R$ 0,01, desconto quase integral sobre os R$ 100 cobrados originalmente.
Na capa, um homem que se pressupõe ser Marçal fita de baixo para cima o pico de uma montanha nevada. O título repete a fórmula estampada nos carros de quem acompanhou Marçal rumo ao topo em 2022.
“O pior ano da sua vida é exatamente isso, onde [sic] você durante um ano viverá de forma intencional como uma verdadeira guerra, para destravar uma década de prosperidade”, diz a obra, que também sugere investir “suas lágrimas, seu suor, seu sangue e sua gordura” para abandonar uma “vida mediana”.
Poucos meses após o fiasco na Serra da Mantiqueira, o influenciador entrou na vida política, primeiro como aspirante à Presidência, depois a deputado federal, e por fim a nenhum dos cargos —o Tribunal Superior Eleitoral indeferiu o registro de sua candidatura à Câmara.
Agora competitivo na disputa para prefeito de São Paulo, Marçal reclama do que chama de “desossa” feita com sua imagem dois anos atrás.
Disse ao portal G1 ter sido difamado por uma extensa reportagem que o Fantástico fez então. Também se mostrou contrariado quando a Folha o questionou, dois meses atrás, sobre a expedição. “Eu não fiz expedição. Vocês acreditam no que a mídia escreve, isso que é o problema do Brasil.”
Ele não respondeu a questionamentos enviados ao longo da semana para seu WhatsApp e também para sua assessoria de imprensa.
Há perguntas ainda em aberto, segundo a promotora do caso. “Quem fez o chamado [de socorro]? Como foi chamado? Precisa ouvir todas as pessoas que subiram”, afirma Cheuen.
A Secretaria da Segurança Pública paulista diz em nota que o Ministério Público pediu mais investigações sobre o assunto, para decidir se arquiva ou vai em frente com a denúncia.
Fonte: Folha de São Paulo