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Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), admite em entrevista ao GLOBO que levará “alguns meses” para que a vida da população no estado volte a “algo perto do normal”. E diz que bairros e trechos inteiros de cidades terão que ser reconstruídos em outras localidades. Ele reconhece que o sistema antienchente de Porto Alegre falhou, mas diz que não é possível saber se foi por falta de manutenção ou por não ter sido projetado para uma inundação tão intensa.
Leite também afirma que não se pode postergar muito o debate sobre um possível adiamento das eleições para as prefeituras gaúchas e avalia que “trocas de governos municipais podem atrapalhar o processo de reconstrução”. Segundo o chefe do Executivo gaúcho, o próprio debate eleitoral dificultaria a recuperação.
Leia a entrevista.
O sistema antienchente de Porto Alegre falhou nas chuvas deste mês?
Que o sistema falhou, está muito claro. Agora a questão é: foi falha de manutenção ou foi falha de concepção? Porque, de fato, é a primeira vez que ele é posto à prova nos seus pouco mais de 60 anos em uma crise de magnitude maior do que a enchente de 1941.
Sim, porque sempre foi propagado que o sistema de comportas e bombas de sucção da capital aguentaria o nível das águas subindo até 6 metros (O Guaíba invadiu a cidade em 3 de maio, quando a cota chegou a 4,5 metros)…
Em tese aguentaria… Vamos ter que ajustar essa governança sobre os sistemas de proteção e resiliência de Porto Alegre, uma vez que até aqui a proteção da cidade é de competência do município. Não estou dizendo que o Estado deva assumir esse papel, mas certamente terá que colaborar. O Rio Grande do Sul terá que desenvolver uma especial competência a partir do que estamos vivenciando. No mundo, as vocações das diversas localidades estão atreladas à experiência que tiveram ao longo da sua história. Nações que tiveram muitas guerras fortaleceram as suas vocações militares e na área de aviação. Estamos buscando o apoio de órgãos holandeses para nos ajudar. Eles desenvolveram uma vocação para ter capacidade de resiliência sobre as próprias águas.
Alguma ideia de quando a vida deve voltar ao normal?
Serão ainda muitas semanas de trabalho para o retorno de algo próximo da normalidade para uma parcela substancial da população e ainda alguns meses até que a gente chegue a algo efetivamente próximo do normal para todo mundo.
Dá ao menos para projetar quando as águas devem baixar nas cidades gaúchas?
É difícil cravar isso porque não é algo estanque. Há projeção de chuvas intensas nesta semana, talvez cerca de 200 milímetros entre terça e quinta-feira, e isso pode influenciar no ritmo de redução do nível dos rios ou até significar alguma elevação deles.
Cidades gaúchas precisarão mudar de lugar neste futuro de reconstrução?
Bairros e partes de cidades deverão ser analisados sob essa ótica, sim. Visitei ontem o município de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, que tem um bairro chamado Passo de Estreia. Quando a água do rio atinge um determinado nível, ela não respeita as curvas, passa por cima e com força destruidora. Centenas de casas foram atingidas, um cenário de guerra, como se tivesse explodido uma bomba lá. O que esse quadro sugere é que teremos que trabalhar na perspectiva de fazer uma urbanização nova nesta cidade em outra localidade. Também teremos que indenizar as pessoas, o que envolve um volume de recursos muito grande, algo que não estamos acostumados a ver no Brasil.
O valor anunciado de R$ 19 bilhões para a reconstrução do estado pode subir?
Certamente será bem superior. Esse foi um primeiro esforço que a equipe fez de levantamento de danos em estruturas públicas, pontes, hospitais e escolas. Quando agrega os custos das moradias, dos impactos nas empresas, das perdas econômicas, vai muito além dos R$ 19 bilhões. Depois que as águas baixarem, teremos o valor.
Se arrepende do vídeo gravado em 2021 pregando a derrubada de parte do muro da Mauá, fundamental para evitar uma tragédia ainda maior em Porto Alegre?
Nunca dissemos que os muros eram desnecessários e que deveriam sair dali. Defendi a substituição por um novo sistema, com um novo modelo. A lógica é de que os armazéns devem se integrar à cidade para serem espaços de gastronomia e lazer.
O senhor também foi muito questionado sobre os alertas. Acha que demorou a pedir a evacuação de pessoas em áreas de risco?
Assim que tomei conhecimento do volume de chuvas no dia 29, fizemos os alertas. A Defesa Civil já tinha promovido o alerta às defesas civis municipais e os prefeitos foram avisados.
As eleições municipais de outubro no Rio Grande do Sul deveriam ser adiadas?
Ainda é um pouco cedo, mas também não vai poder retardar muito essa discussão. Junho já é um momento pré-eleitoral e em julho se estabelecem as convenções. É um debate pertinente. O Estado estará em reconstrução, ainda em momentos incipientes, em que trocas de governos municipais podem atrapalhar esse processo. O próprio debate eleitoral pode acabar dificultando a recuperação.
O senhor sequer tinha definido o seu candidato em Porto Alegre e agora mesmo é que não vai ter nem cabeça para decidir, certo?
Sem dúvida, não. Está abaixo de outras prioridades.
Considera que o presidente Lula poderia ter sido mais cuidadoso e não colocado um político como Paulo Pimenta no novo ministério criado para lidar com a tragédia?
A reconstrução é liderada e coordenada pelos próprios gaúchos que têm um governo constituído. O nome do ministério é Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução. Se (o órgão) se propõe a ser apoio à reconstrução, é muito bem-vindo.
Mas Pimenta é provavelmente candidato ao governo gaúcho daqui a dois anos, não?
O presidente tem a legitimidade para poder apresentar o nome que ele entenda pertinente. Da minha parte, busquei um perfil técnico para a minha secretaria de reconstrução recém-criada.
Fonte: O Globo