Morto em decorrência de complicações de um AVC no dia 12 de novembro, o contraventor Ivo Noal foi responsável por construir um império milionário com a exploração do jogo do bicho em São Paulo. Atualmente administrados pela filha mais velha, Sandra Regina Noal, os bens do bicheiro são alvo de pelo menos dois imbróglios familiares. Entre eles, está uma fazenda de 42 mil m², de frente para a praia, em Ilhabela. A propriedade vai a leilão por decisão da Justiça de São Paulo, pelo valor mínimo de R$ 21,9 milhões, a partir desta sexta-feira.

A Justiça decidiu penhorar a fazenda de Noal devido a um processo de pensão alimentícia relacionado ao neto do contraventor, João Vitor Delgado Noal, que hoje tem 28 anos. Ivo passou anos sem pagar o valor correspondente à pensão.

— Passaram-se 15 anos e eles nunca pagaram nada. Esse processo originou mais uns 10 ou 15 processos de penhora, agravos de instrumento… e só agora, recentemente, houve um primeiro leilão marcado, e eles foram lá e pagaram R$ 750 mil. Mas restam ainda R$ 612 mil. Por isso, o sítio vai a leilão de novo por decisão da Justiça — esclareceu o advogado Oswaldo Segamarchi Neto.

Onde está localizada a fazenda de Ivo Noal?

A Fazenda São Mathias fica na Praia da Feiticeira. A propriedade foi originalmente construída em 1697, reformada em 1978 e adquirida por Ivo Noal há cerca de 40 anos. Se tornou um verdadeiro resort em pleno arquipélago do Litoral Norte de SP. Conta com piscina, móveis de luxo, cachoeira e rios nas dependências, acesso à praia, vários quartos, além da arquitetura histórica da época colonial. Mesmo antes do leilão, 10 habilitados já demonstraram interesse no imóvel.

— Precisamos fazer uma investigação profunda para conseguir encontrar esse imóvel (a ser penhorado), porque estava tudo muito bem escondido. Fizemos um trabalho de formiguinha para conseguirmos realizar tudo isso — acrescentou Segamarchi Neto.

De onde vem a fortuna de Ivo Noal?

Os ganhos de Noal vieram por meio da contravenção, principalmente entre a década de 1980 e o início dos anos 2000. Ele morreu no último dia 12 de novembro, aos 88 anos, no Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista, mas a informação somente foi divulgada nesta terça-feira, após reportagem publicada na revista Piauí.

O bicheiro havia sofrido um AVC em 2019 e, desde então, estava em estado vigil. A certidão de óbito, à qual a reportagem teve acesso, informa que a morte ocorreu às 9h33 da manhã daquele domingo, há um mês, e teve como causas: pneumonia bacteriana, infecção por Covid-19, acidente vascular encefálico isquêmico e insuficiência cardíaca. Ele foi cremado no Crematório Municipal Dr. Jayme Augusto Lopes, em São Paulo.

E a discrição era justamente uma das características do contraventor, que reinou como grande banqueiro do jogo do bicho na capital paulista por anos, longe dos holofotes, em cenário bem divergente ao da cúpula carioca, sua contemporânea. Seu envolvimento com a contravenção começou ainda nos anos 1950, com os negócios herdados do avô e do pai.

Máfia italiana

Noal chegou a ser investigado e preso algumas vezes ao longo de sua vida e investigado por diversos crimes. Além da exploração de jogos ilegais, foi acusado ainda de ordenar a morte de adversários, mas nunca passou muito tempo atrás das grades.

Com postura semelhante à utilizada pelas máfias italianas em seus negócios, o capo (chefe, em italiano), como era conhecido entre seus comandados, inclusive chegou a ser delatado em 1999 por Lillo Rosario Lauricella, um dos líderes da Banda Magliana. À época, ele afirmou à Direção Investigativa Antimáfia (DIA) de Roma que pagava milhares de dólares para poder instalar máquinas caça-níqueis em territórios controlados por Ivo Noal em SP. No depoimento, reproduzido na ocasião pela Folha de S. Paulo, Lauricella dizia-se “impressionado com a organização do jogo do bicho no Brasil”. A articulação com o bicheiro paulista nunca foi comprovada.

Ainda no início dos anos 2000, ele teria ainda expandido seus negócios para Santa Catarina, segundo investigações da Polícia Federal à época.

A herança

A outra disputa na família seria pelos valores deixados pelo bicheiro. Sandra Regina Noal, a filha mais velha, passou os últimos 15 anos de vida de Ivo cuidando dele. Ela, então, teria tomado frente para administrar todo o patrimônio do pai antes e depois de sua morte, o que incomodou os outros nove irmãos.

A reportagem não conseguiu contato com Sandra Regina Noal. Não há informações sobre o patrimônio atual da família Noal, deixada pelo bicheiro. Tampouco sobre as dívidas que foram acumuladas ao longo dos últimos 20 anos.

Fonte: O Globo